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Baú: Crônica sobre a eleição para prefeito de Campo Grande em 2004

Revirando o baú, encontrei esta crônica que escrevi logo após a vitória de Nelsinho Trad à Prefeitura de Campo Grande em 2004. Recordar é viver:

INDIGNAÇÃO INGÊNUA?

Sobrevivemos ao processo eleitoral. Embora reste um certo clima de ressaca, Campo Grande restou limpa no final do processo. Visualmente limpa, pelo menos. A mediocridade de alguns candidatos presenteou à ironia do eleitor com algumas frases de efeito duvidoso. Tivemos o "professor que trabalha contente" e "quem vota em fulana não se engana", mas todos foram superados prontamente por aquele que nos propôs trocar "abobrinhas por xuxu" (sic).

A minha curiosidade me levou ao dicionário, pai dos estarrecidos. Descobri que "chuchu" é derivado do francês "chouchou", que significa, na língua de Vítor Hugo, "o preferido, o queridinho". Pode ainda ser "moça ou mulher bonita", ou ainda, "aquele que se alia e se adapta facilmente a outrem". Mais ainda: é uma trepadeira cucurbitácea.

Mantido ainda na semi-ignorância, corri atrás de "abobrinha", outra trepadeira variedade de abóbora pequena da família das cucurbitáceas. Falamos, portanto, de frutos (isso mesmo!) da mesma família.Parece o resumo do que tivemos nesta eleição: trocamos abobrinha por chuchu. Continuamos na mesma família. Trocamos néscios por néscinhos. Não estou insatisfeito com o resultado da eleição. Acho-o justificável e explico o porquê. Nunca me assustou a existência de quem comprasse votos, pois a nossa elite sempre se prestou às mais variadas infâmias para se manter no poder. Os cabelos de Maquiavel estão, certamente, arrepiados com o ocorrido no dia 3 de outubro. Nunca me assustou também a existência de quem vendesse o voto. O amigo Augusto me disse: "Não há ideologia que resista à fome. Dinheiro é sempre bem-vindo".

O que me entristeceu foi ver algo que me recusava a enxergar. Vamos ao princípio de tudo. Votei pela primeira em 89 em um candidato da esquerda para presidente. Voltei a defendê-lo em 1994, 1998 e em 2002. Enfim, presidente. Votava nos candidatos de seu partido para a Prefeitura, Câmara Municipal, Assembléia Legislativa, Governo do Estado, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Era um partido que se sustentava com a abnegação dos militantes nas campanhas. Ingenuidade ou credulidade? Massa de manobra ou militantes?

Não faltou, no dia 3, quem comprasse e quem vendesse votos, como se a conquista do voto secreto não fizesse o mínimo sentido para os eleitores e os candidatos fossem onipresentes, verificando os votos dos corrompidos no segredo da cabine. Havia os eleitores IMEDIATISTAS ("Pego o dinheiro e voto em quem eu quiser"). Havia também os PREVIDENTES ("Pego o dinheiro e voto nele, para poder ganhar mais depois"). Não podemos nos esquecer dos AGRADECIDOS ("Vou votar nele porque levou minha mãe ao hospital, quando ela quebrou a bacia"). E os DESEMPREGADOS? ("Voto nele porque me prometeu um emprego de assessor").

A fauna eleitoral é marcada pela diversidade de condutas. Não nos surpreendamos se novos tipos surgirem na próxima eleição. Posso até arriscar alguns: o FATALISTA ("Pego o dinheiro e voto nele; já está escrito quem é o vencedor.") e o ESQUENTADINHO ("Peguei o dinheiro, sim, E DAÍ???!!!"). A galeria é grande. Mas, acrescentemos o grupo dos DESPEITADOS ("Por que não quiseram comprar o meu voto?").

A indignação é ingênua? Pois, bem. Não imaginava que a modernização da esquerda, assumindo um discurso mais moderado, significava assumir os mesmos vícios do início da República, dos primórdios do século passado. Já tomei a minha decisão. Manterei o mesmo pensamento utópico de 1989: Cada vez mais para a esquerda, companheiros!

Venha, portanto, 2006. Que não troquemos simplesmente uma trepadeira por outra, como acabamos de fazer.


Marco Aurélio Antunes Gondim
Campo Grande, MS, 7 de outubro de 2004

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