As versões da Guerra do Paraguai
A Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança, ou ainda La Gran Guerra, foi um conflito que envolveu o Brasil, a Argentina e o Uruguai contra o Paraguai entre 1864 e 1870, durante o governo de Pedro II. Desde o final do conflito, esta história já foi contada de várias formas alternando os papéis de vilão e mocinho. Atualmente, a história vem sendo reescrita sem a nomeação de bom e mau, para se entender os reais interesses dos países envolvidos.
Inicialmente, a guerra foi explicada como uma consequência do expansionismo de Solano López, o general-presidente do Paraguai. Nesta versão, o Brasil teria apenas se defendido das pretensões megalomaníacas de uma ditadura que pretendia ser uma reedição do império napoleônico na América Latina; afinal, Solano era um grande admirador do general francês. Até o regime militar no Brasil (1964-1985), esta era a versão ensinada nas escolas brasileiras.
Caricatura de Angelo Agostini na Revista Fluminense (1869)
No Paraguai, a imagem de Solano López, nomeado general de brigada aos 18 anos, foi reconstruída devido aos esforços de seus herdeiros para reaverem o espólio do ex-presidente, que havia sido embargado pelo judiciário paraguaio, e ele passou a ser retratado como um grande estadista e brilhante chefe militar. De acordo com a versão dominante no Paraguai até os dias de hoje, países que deveriam ser irmãos se bateram e destruíram uma das nações mais prósperas da América do Sul, que estava oferecendo concorrência aos produtos ingleses. Como resultado desta guerra, houve um genocídio em que foi exterminada a maioria da população masculina paraguaia.
A destruição causada pela guerra.
Quadro de Juan Blanes (1880). Museu Nacional de Montevidéu, Uruguai.
A partir dos anos 60, uma segunda corrente historiográfica apresentou a versão de que o Brasil teria sido manipulado pelo império britânico para destruir o Paraguai, uma potência em ascensão. Quem era educado dentro desta nova versão, sentia vergonha do Brasil por termos sido tão cruéis e submissos aos interesses imperialistas ingleses. No fundo, todo mundo via esta versão como uma crítica ao exército da época, que governava o Brasil como a madrasta da Cinderela a tratava.
A versão da esquerda era, além de maniqueísta, ingênua, pois baseava seus argumentos em livros panfletários, como o Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai, de autoria do jornalista Julio José Chiavenatto. Os documentos que poderiam legitimar este livro foram substituídos por afirmações sem comprovação, pois, de acordo com o próprio jornalista em seu livro, “a maioria dos seus documentos [da Guerra do Paraguai], se não todos os documentos mais importantes, está proibida para o pesquisador que pretende ir além de fenômenos circunstanciais”.
Ainda de acordo com Chiavenatto, a guerra teria sido uma armação da Inglaterra, um pensamento compartilhado coma historiografia paraguaia. Se o desenvolvimento do Paraguai não fosse interrompido, os ingleses perderiam uma fonte de matéria prima e um mercado consumidor dos seus produtos industriais. Argentinos e brasileiros teriam sido marionetes dos ingleses na defesa dos seus interesses econômicos na região platina.
Charge do livro História do Brasil para Iniciantes de Carlos Eduardo Novaes e César Lobo (1997)
Nos anos 90, historiadores brasileiros, argentinos e paraguaios iniciaram um processo de revisão historiográfica a partir de documentos encontrados nos três países, e uma nova versão se desenhou a partir desses estudos. Mas, foi com o livro do historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra – Nova História da Guerra do Paraguai, que essa nova versão se consolidou no Brasil a partir de fontes documentais ou da falta delas.
“Não existe um documento, de qualquer origem, que mostre a vinculação ou o interesse do governo inglês em fazer uma guerra contra o Paraguai”, afirma Doratioto em seu livro, desmontando a versão da conspiração inglesa. Além disso, a guerra era totalmente contrária aos interesses ingleses, que vendiam seus produtos livremente aos países da bacia platina. A diplomacia inglesa ainda se ofereceu para evitar a iminente guerra, depois de um período de relações diplomáticas rompidas com o Brasil. Defender esta tese é desconsiderar os interesses geopolíticos e econômicos que norteavam as relações entre os países da América do Sul.
Os interesses eram diversos. O Brasil viu na guerra a possibilidade de se firmar como liderança na região e garantir a navegação, que corria o risco de ser controlada exclusivamente pelo Paraguai e pela Argentina, que poderia incorporar o território paraguaio aos seus domínios. A Argentina via na guerra a chance de consolidar o seu estado nacional, derrotando a ala interna que recebia apoio político de Solano. O Paraguai acreditou que a guerra poderia garantir o acesso ao oceano pelo controle do Uruguai; para isso, os paraguaios apoiavam a oposição uruguaia comandada pelos Blancos. Já o Uruguai via a guerra como uma chance de eliminar a intervenção dos paraguaios nos seus assuntos internos, que apoiavam, como foi dito acima, a oposição uruguaia. O Brasil, com apoio argentino, invadiu o Uruguai para eliminar a influência paraguaia. Como reação, o Paraguai invadiu o Brasil (Mato Grosso) e a Argentina (Corrientes), fatos que levaram à formação da Tríplice Aliança contra o Paraguai.
A tese da conspiração inglesa não se sustenta atualmente e foi abandonada. Quanto ao dinheiro emprestado pelos ingleses, deve-se ressaltar que o montante emprestado pelos bancos, e não pelo governo inglês, representou 10% dos gastos do Brasil com a guerra. Por que não emprestaram aos paraguaios? Banqueiros emprestam para receber de volta com juros do país com chances de vencer a guerra. Como o Paraguai não apresentava indícios de que venceria a Tríplice Aliança, não poderia honrar os seus compromissos financeiros.
De acordo com a versão defendida por Doratioto, o Paraguai após a sua independência era um país que não havia feito empréstimos externos para estimular a sua economia e possuía tecnologia estrangeira exclusivamente militar. Além disso, o país era uma grande fazenda que tinha o Estado como proprietário de 90% das terras, com uma agricultura com práticas antiquadas.
Outra polêmica existente se refere ao número de mortos. De acordo com Chiavenatto, foi ‘exterminada’ quase toda a população paraguaia masculina adulta (99,5%), de uma população total de 800 mil habitantes. De acordo com as novas estatísticas, as estimativas variavam entre 280 e 450 mil habitantes e as mortes seriam entre 8,7% e 69% da população (no mínimo 28 mil, e no máximo 280 mil, aproximadamente), sendo que a maioria não morrera nos campos de batalha, mas de doenças e de fome. Além disso, muitos paraguaios emigraram de seu país para o território brasileiro ou argentino. As perdas da Tríplice Aliança foram de 50 mil brasileiros, 5 mil uruguaios e 18 mil argentinos.
A versão de Doratioto parece uma volta à antiga historiografia oficial, mas não poupa críticas a vencidos nem vencedores. Tamandaré e Conde d'Eu, heróis brasileiros da guerra, são retratados como inepto e covarde, respectivamente. Os soldados brasileiros promoviam saques e desertavam - quase metade dos soldados brasileiros (os Voluntários da Pátria) desertou nos dois anos de marcha antes de serem batidos na Retirada da Laguna. Já os paraguaios assaltavam as fazendas e escravizaram brasileiros. Não houve um genocídio, pois não há estatísticas populacionais confiáveis; por isso, é fantasiosa a afirmação de que morreram 1 milhão de paraguaios, pois a sua população não se aproximava desse número na época.
Referência:
Genocídio Americano – A Guerra do Paraguai. Júlio José Chiavenato, Brasiliense, 1979.
Maldita Guerra – Nova História da Guerra do Paraguai. Francisco Doratioto, Companhia das Letras, 2002.
Muito bom seus comentários. Já li o livro Maldita Guerra de Doratioto e o livro do Chiavenato, alem de outros sobre o conflito. Tenho alguns artigos sobre a guerra do Paraguai que devo postar no meu blog em breve: www.balaiodahistoria.blogspot.com. Abraços.
ResponderExcluirDesde a sua recomendação, tenho lido sempre o seu blog. Muito bom. Abraço.
ExcluirMuito legal seu blog. Parabéns!!!! (Eduardo Pavani)
ResponderExcluirObrigado, Eduardo. Abraço.
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